SONDA: um sistema inovador que vem reforçar a capacidade de monitorização atmosférica e oceânica

No âmbito deste projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia está a ser desenvolvido um sistema com várias sondas e uma solução de baixo custo para transportar as mesmas.

O projeto “Synchronous Oceanic and Atmospheric Data Acquisition” (SONDA), liderado pelo Instituto de Engenharia Mecânica (idMEC@Técnico), arrancou há menos de um ano, mas são já muitos e animadores os resultados que tem para mostrar. Envolto em muito conhecimento e inovação, o projeto pretende contribuir para uma melhor monitorização atmosférica e oceânica, propondo o desenvolvimento de um sistema complementar aos meios de observação existentes. Nos últimos meses, alguns investigadores do SONDA rumaram a La Palma e aproveitando a erupção do vulcão Cumbre Vieja, testaram o primeiro modelo desenvolvido.

Aliando o conhecimento científico detido nas áreas de Ciência atmosférica, Ciência dos Oceanos, Mudanças Climáticas, e Ciência e Tecnologia espacial e conjugando-o com muita inovação, uma equipa de investigadores do idMEC, a Universidade do Minho e o Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos (IVAR) da Universidade dos Açores, estão a desenvolver um sistema inovador que contará com sondas capazes de monitorizar continuamente parâmetros de interesse, desde a estratosfera até ao mar profundo, e um sistema de transporte baseado num balão de alta altitude.

Financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) com 250 mil euros, o projeto, que arrancou em março de 2021 e terá a duração de 3 anos, “resultou da integração e expansão de dois projetos exploratórios desenvolvidos anteriormente no âmbito do Programa MIT Portugal, os projetos HABAIR e 2DeepScape, relacionados respetivamente com a aquisição atmosférica e no fundo do mar”, como partilha a professora Alexandra Moutinho, docente do Departamento de Engenharia Mecânica (DEM), investigadora do idMEC e coordenadora científica do SONDA. “As equipas destes projetos cruzaram-se em alguns encontros, e rapidamente concluímos que deveríamos combinar os dois e levar os objetivos para um novo patamar, e daí surgiu o SONDA”, recorda a  docente do Técnico.

O sistema SONDA, composto por um conjunto de sondas e um balão de alta altitude, permitirá a aquisição de dados de maneira económica e integrada, desde o espaço próximo ao mar profundo. A professora Alexandra Moutinho conduz-nos pelas características diferenciadoras deste sistema: “em relação às sondas, a inovação é relativa à sua capacidade de monitorizar continuamente parâmetros de interesse desde a estratosfera até ao mar profundo. As sondas serão configuráveis, permitindo a integração de sensores atmosféricos, de movimento e marítimos”, começa por evidenciar.

Ao atingir o fundo do mar, a sonda permanecerá lá por um período pré-definido, monitorizando todas as variáveis, incluindo a imagem acústica do oceano. Ao voltar à superfície, os dados adquiridos serão transmitidos à estação de controlo através de satélite ou outro link de comunicação disponível, operando como uma sonda derivante até à degradação do material.

Também no que toca ao transportador das sondas este projeto propõe um conceito inovador, visto que o mesmo será nada mais nada menos do que um balão de alta altitude. “Esta solução de baixo custo com alta capacidade de carga viaja passivamente pela atmosfera para alcançar áreas específicas, mas com baixa precisão posicional”, salienta a professora Alexandra Moutinho. No âmbito deste projeto, a equipa de investigadores pretende ainda desenvolver uma solução de controlo para dotar o aeróstato de alguma capacidade de posicionamento, alterando a sua altitude de acordo com as correntes de vento disponíveis. “Controlar o volume e a carga do balão permitirá mantê-lo no ar por mais tempo, tornando-o não só um excelente observador atmosférico, mas também um repetidor de comunicações entre as sondas lançadas e uma estação de controlo no solo, reduzindo os custos habituais de comunicação por satélite”, realça a docente do Técnico.

Equipa de investigação realiza testes na erupção do vulcão Cumbre Vieja

A erupção do vulcão Cumbre Vieja, em La Palma (Canárias), considerada a mais longa na história da ilha espanhola de La Palma e a mais destrutiva do último século na Europa, serviria como campo de testes à primeira fase do sistema SONDA, reunindo as condições para um exigente ensaio. Os trabalhos em La Palma resultaram de uma parceria entre os projetos SONDA e VOLRISKMAC II e contaram com financiamento da Estrutura de Missão dos Açores para o Espaço e da FCT.

A professora Alexandra Moutinho partilha alguns dos sentimentos que a invadiram ao pisar este cenário de desastre natural: “pessoalmente, estar perto de um vulcão em erupção foi uma estreia, e uma experiência emocionante em vários aspetos. Facilmente nos sentíamos simultaneamente deslumbrados pela paisagem que nos rodeava e desolados sabendo que a vida de muitas pessoas tinha sido afetada pela catástrofe”.

A nível científico a experiência não podia ter sido mais satisfatória, com vários testes a serem realizados “neste ambiente desafiante”. Além de permitir testar todas as vertentes do projeto, a experiência possibilitou expor o sistema SONDA a condições adversas. A erupção produziu cinzas e gases que se dispersaram desde o solo até níveis altos da atmosfera e emitiu lavas que chegaram ao mar, causando um impacto na zona costeira. Este cenário gerou condições ótimas para o teste dos protótipos de sondas ao nível do solo, a níveis altos da atmosfera, e em ambiente aquático, bem como a todo o sistema de comunicações com os vários componentes do dispositivo.

A coordenadora científica do SONDA explica que estes  testes se focaram principalmente na “deteção e medição de produtos eruptivos que podem ser bastante prejudiciais para a população, nomeadamente dióxido de carbono (CO2), dióxido de enxofre (SO2) e partículas de matéria (PM), e a monitorização de fluxos de lava que chegavam ao mar”.

Durante a erupção foram realizadas duas missões às Canárias, nos meses de outubro e em dezembro, em colaboração com investigadores do Instituto Volcanológico de Canarias (INVOLCAN).   No decorrer destas, a equipa colocou “uma rede de sensores em torno do vulcão para medir estas variáveis continuamente, e boias para monitorização de parâmetros hidroacústicos e ambientais na proximidade dos deltas lávicos, e ainda lançámos balões para aquisição de dados ao longo da pluma eruptiva”, aponta a professora Alexandra Moutinho.

O sucesso dos primeiros testes e a vontade de continuar a melhorar o sistema SONDA

Os resultados obtidos ajudaram a melhorar o modelo e comprovaram o seu sucesso, “demonstrando a utilidade do sistema na gestão de uma crise vulcânica”, como denota a investigadora do idMEC. Foi, por exemplo, possível instalar ou lançar facilmente os equipamentos desenvolvidos, e obter os dados adquiridos remotamente em tempo-real em qualquer dispositivo com acesso à internet.

Por sua vez, e tal como refere a professora Alexandra Montinho, “as sondagens atmosféricas permitiram medir as concentrações de massa de partículas e dióxido de enxofre ao longo de um perfil da pluma eruptiva e caracterizar o seu perfil vertical, e o teste de boias permitiu registar o ambiente acústico próximo aos deltas de lava e testar o design e as configurações do dispositivo quanto à integração de sensores e comunicações”. “A rede de sensores instalada em volta do vulcão permitiu uma monitorização contínua, com informações imediatamente disponíveis via web, com boas correlações espaciais e temporais entre diferentes parâmetros”, acrescenta. E os proveitos desta experiência continuam a surgir mesmo depois da retirada da equipa do terreno, uma vez que o equipamento que a equipa de investigação deixou no terreno tem conseguido agora medir a concentração das poeiras do deserto do Sahara (calima) que têm chegado às Canárias, nomeadamente a La Palma.

Apesar dos ótimos resultados, o foco é continuar a melhorar o sistema e é nisto que a equipa continuará a trabalhar.  “Iremos continuar a desenvolver soluções, seja para o contexto atmosférico, seja para o subaquático, incluindo novos sensores dependendo do que se pretende monitorizar, e tornando os equipamentos e as comunicações mais robustos”, avança a docente do Técnico. “E continuaremos a validar as soluções desenvolvidas, no Continente e nos Açores, ainda que dificilmente voltemos a testá-la num contexto tão desafiante como foi o do vulcão de Cumbre Vieja” complementa.

O objetivo da equipa do SONDA é que o sistema possa ser adotado por entidades nacionais e internacionais, e perante os resultados obtidos até agora, e como sublinha a docente do Técnico, “estamos sem dúvida no caminho certo”.

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